Em entrevista exclusiva, Svend Brinkmann, um forte crítico da psicologia positiva, afirma que você deve demitir seu coach. Algumas ideias até são coerentes, porém grande parte dos argumentos de Svend são baseados em puras generalizações. Além disso, parece faltar um pouco de conhecimento sobre como funciona um processo de coaching e seu código de ética.
Sendo assim, decidi analisar alguns pontos de sua entrevista. Separarei cada pergunta respondida pelo professor dinamarquês e abaixo comento meu ponto de vista como coach e profissional de desenvolvimento humano. Vou explicar como é um processo maduro de desenvolvimento humano, a abordagem correta do processo de coaching e seus reais benefícios. Então, vamos lá:
1- Autoajuda barata é uma coisa, autoajuda com embasamento é outra!
Processos maduros de desenvolvimento humano buscam aumentar a responsabilidade da pessoa apenas sobre as situações da vida que estão sob seu controle, e não sobre todas as situações. Tanto que a consciência de que existem situações que você não pode controlar e que, portanto, não deve gastar energia, são a base para desenvolvimento de pessoas emocionalmente inteligentes.
Outra ideia equivocada é de que ao focarem em seus objetivos as pessoas se tornam mais individualistas. O alcance de objetivos complexos só ocorre com o trabalho em equipe ou próximo a pessoas que pensam como você (utilizando o conceito de Mastermind apresentado pela primeira vez por Napoleon Hill, em seu livro A Lei do Triunfo). Sendo assim, o efeito comum das pessoas que buscam objetivos maiores é a eliminação de relacionamentos nocivos e a criação de relacionamentos mais maduros e não a solidão.
2- Elevar a responsabilidade para alcançar o objetivo não é errado
Existem inúmeros best-sellers de desenvolvimento humano que abordam que seu objetivo só depende você, e isso não está errado e nem é uma estratégia puramente comercial. Muitas pessoas simplesmente não conseguem perceber que, alguns de seu objetivos, podem ser alcançados mudando pequenas ações e tendo consistência. E com a consciência sobre sua responsabilidade pela conquista de determinado objetivo, o caminho fica muito mais fácil.
E mais uma vez, entender sua responsabilidade no alcance de seu objetivo não faz com que as pessoas obrigatoriamente se fechem internamente em seus mundos. Geralmente é o contrário que acontece, pois ao buscar melhorias em sua vida (profissionais, financeiras ou pessoais) a quantidade e qualidade de seus relacionamentos são elevadas.
3- O conhecimento apenas potencializa quem você é
Na verdade, os primeiros livros de autoajuda aparecem na realidade no início do século 20, com os livros de Napoleon Hill e Dale Carnegie. E como qualquer base de conhecimento, ela pode ser utilizada por pessoas coerentes ou pessoas com total desconexão com a realidade. Portanto, não é o livro ou a metodologia que forma as ações de cada pessoa, e sim suas motivações, estrutura mental e objetivos pessoais. O conhecimento é apenas um potencializador das características de cada pessoa.
Outro ponto importante é entender que processos de desenvolvimento humano vão muito além da psicologia positiva. Combinamos uma série de metodologias, cada uma com uma função específica, para que a pessoa possa desenvolver formas mais maduras de lidar com o mundo, percebendo suas emoções e como extrair o melhor proveito delas.
4- Você não precisa mudar sua personalidade para desenvolver um novo comportamento
O universo profissional é realmente mais psicologizado para entender as necessidades individuais de cada profissional, para que assim, a empresa possa desenvolver uma relação de parceria com o profissional e não uma mera relação de trabalho. As empresas buscam uma relação de ganha x ganha com seus colaboradores para que possam construir um relacionamento de longo prazo.
Seguindo nesta tema, a empresa não espera que o profissional mude sua personalidade. Tanto que as grandes organizações avaliam as personalidades de seus colaboradores para que cada profissional atue de acordo com seu perfil e possam trabalhar com maior produtividade.
Sendo assim, as empresas não buscam mudar a personalidade do profissional, apenas desenvolver novos comportamentos para que possam auxiliar no seu dia a dia. Eu, por exemplo, tenho uma personalidade introvertida, porém eu desenvolvi minha habilidade de comunicação e hoje aplico palestras, treinamentos, além de escrever em várias mídias. E isso não me traz a sensação de que nego minha personalidade, mas sim de que sou capaz de obter ótimos resultados até em áreas que não domino 100%.
5- O desenvolvimento humano atua nas necessidades individuais e no seu impacto na sociedade
A grande maioria dos processos de autoajuda foca no contexto coletivo, ou seja, quanto mais você melhora sua estrutura mental e desenvolve melhores comportamentos mais apto você se encontra para impactar positivamente e contribuir com a sociedade. É justamente o contrário do que é apresentado na entrevista.
Neste parágrafo, Svend generaliza o processo de autodesenvolvimento e suas consequências. Porém o desenvolvimento humano busca atuar no problema percebido pela pessoa, seja ele individual ou na forma como interage com o mundo. Portanto, nem sempre as pessoas vão olhar apenas para seus próprios objetivos.
6- Você só consegue ajudar alguém quando possui maturidade
Como disse no item anterior, qualquer profissional de desenvolvimento humano, obrigatoriamente, vai auxiliar seu cliente na análise dos impactos de suas ações nas pessoas que o cercam. Sendo assim, não há como a pessoa pensar menos nos que estão à sua volta.
Porém, pensar primeiro em você sempre é o correto a fazer. Focar primeiro no outro faz com que você não priorize fatores que considera importante em sua vida, afetando sua percepção de felicidade e aumentando o nível de incomodo. Priorizar o outro traz sobrecarga às pessoas que passam a enfrentar dificuldades para lidar com suas próprias vidas.
Apenas uma pessoa com alto nível de maturidade e que passou por processos de autodesenvolvimento consegue assumir responsabilidades maiores do que sua própria vida, podendo ajudar a sociedade. Na metáfora de Svend sobre o avião, o que ocorre é que pessoas cada vez mais despreparadas assumem a cabine do avião com a intenção de salvar os passageiros e o faz colidir com um prédio matando os milhares de pessoas.
7- Ter sucesso é relativo para cada pessoa
Ter sucesso não é ser capaz de cumprir suas obrigações. Ter sucesso é um conceito relativo para cada pessoa, que geralmente está alinhado com os fatores que cada pessoa considera importante em sua vida, ou seja, seus valores pessoais. Portanto, não há uma fórmula.
Tony Robbins realmente diz que sucesso é fazer o que quer, onde quer e com quem quer. Porém, como alguém que domina os conceitos de PNL, Tony sempre avalia e orienta as pessoas a fazer uma avaliação ecológica sobre cada objetivo. Avaliação ecológica é analisar se seu objetivo ou suas ações não irão impactar negativamente qualquer pessoa. Caso exista um risco, o objetivo ou a ação deve ser reavaliada. Por isso, Tony ou qualquer pessoa que atue com desenvolvimento humano não permite que seu cliente avance rumo a um objetivo não digno.
8- O Coaching não pressupõe competição
O processo de coaching, ou mesmo a atuação do coach, nunca pressupôs uma competição com as demais pessoas para que o cliente consiga vencer o jogo contra os outros. Na realidade o processo de coaching possui uma proposta muito diferente. Um dos papéis do coach é auxiliar o cliente a vencer o seu “jogo interno”, ou seja, desenvolver seu modelo mental para que alcance um desempenho melhor do que o atual (conforme descrito no livro The Inner Game – A Essência do Jogo Interior de Timothy Gallwey).
Além disso toda a metodologia do coaching é desenvolvida sobre o conceito de ganha x ganha e não sobre um contexto de vencedores e perdedores. O coach analisa e avalia cada estratégia definida e aplicada pelo cliente para que não gere impacto negativo para outras pessoas.
O processo de coaching reforça a autoreflexão, mas isto não necessariamente reflete em individualismo. O processo de coaching realmente funciona com um espelho para que o cliente possa perceber comportamentos e pensamentos inadequados, e assim consiga conduzir sua vida de forma mais saudável, tendo maior clareza como seus comportamentos afetam o mundo a sua volta. Portanto o processo de coaching te faz olhar para dentro e para fora ao mesmo tempo.
Conclusão
A princípio achei que a entrevista não havia refletido adequadamente a visão de Svend Brinkmann. Porém, ouvi seus comentários na BBC e percebi que o professor dinamarquês disse coisas muito parecidas em ambas entrevistas. Sendo assim, ele realmente acredita que várias metodologias de desenvolvimento humano afetam negativamente as pessoas. Suas generalizações são perigosas, não refletem o funcionamento das metodologias e distorcem seus reais benefícios.
Svend fala sobre psicologia positiva, mindfulness e coaching como se fossem produtos resultantes de palestrantes motivacionais baratos. Concordo que existem alguns profissionais pouco preparados que misturam as metodologias e ao invés de ajudar, prejudicam ainda mais seus clientes. Porém, esses profissionais são uma minoria e geralmente não se sustentam no mercado.
É importante lembrar que cada metodologia tem uma aplicação específica e isto deve ser levado em consideração pelo profissional que aplica. Utilizadas corretamente e seguindo as melhores práticas, essas metodologias produzem efeitos fantásticos na vida das pessoas.